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[FILME] UM ESTRANHO VAMPIRO / O BEIJO DO VAMPIRO (Vampire's Kiss, 1988)

domingo, 29 de julho de 2018.

Apesar de ser geralmente rotulado como comédia, Um estranho vampiro (também conhecido pelo título alternativo O beijo do vampiro) é uma produção que eu acredito que vai além dessa classificação simplista, tanto pelo roteiro extravagante quanto pelo próprio estilo de humor centrado nos efeitos de um grave transtorno mental.
Dirigido por Robert Bierman , o filme já começa com Peter Loew (o personagem de Cage) numa sessão de terapia com sua psiquiatra, o que já dá uma pista da instabilidade mental dele, que só aumenta ao longo da história, culminando com sua crença de que se tornou um vampiro. Loew trabalha numa agência literária e a perda do contrato de um cliente funciona como gatilho para deixá-lo mais desequilibrado e esquisito do que ele já é. A partir daí ele passa a pressionar sua secretária, Alva (Maria Conchita Alonso), para que ela encontre tal documento. A pressão vai se agravando, tornando-se perseguição e assédio em situações cada vez mais bizarras, onde Loew não fica devendo muito a Jack Nicholson em O Iluminado, em termos de loucura desenfreada. O humor do filme é justamente sustentado pela atuação alucinada de Nicolas Cage nessas situações sem noção, onde ele faz um bocado de caras e bocas (que, inclusive, se tornaram memes nas redes sociais), enquanto seu personagem se deixa consumir rapidamente por um comportamento neurótico e esquizofrênico.
A abordagem do vampirismo deste filme lembra muito o trabalho de George Romero em Martin (comentado AQUI); em ambos os casos trata-se de uma condição patológica relacionada a distúrbios psicológicos. Em Martin, o personagem-título crê ser vampiro devido a uma maldição da família, enquanto em Um estranho vampiro (considero este título bem apropriado) o estresse do trabalho somado à convicção de que foi mordido por uma vampira num encontro casual pouco depois de “lutar” com um morcego que invadiu seu apartamento, resultam na condição vampiresca de Loew.  Também os finais dos dois filmes são muito parecidos, com resultados trágicos para os transtornos dos protagonistas.
Mesmo que o elemento vampiresco presente neste filme seja essencialmente psicológico, acho que é uma produção que merece ser conferida, pois faz referências aos mais diversos elementos do universo dos sugadores. Loew chega ao cúmulo de usar uma dentadura de vampiro de plástico, quebrar os espelhos de sua casa, vedar as janelas para que a luz solar não entre e até a improvisar um caixão emborcando um sofá para dormir embaixo dele. Isso sem falar na “estaca” que ele passa a carregar, como uma penitência por sua natureza vampírica, já próximo do final. E, como cereja do bolo, ele ainda assiste ao Nosferatu, de Murnau.


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[LIVRO] A HORA DO VAMPIRO ('Salem's Lot, 1975)

sexta-feira, 27 de julho de 2018.

Lançado pouco antes de Anne Rice fazer sua estreia no mundo vampiresco e consolidar-se como a rainha dos sanguessugas, A hora do vampiro (atualmente publicado com o título ‘Salem) é o segundo romance de Stephen King, precedido por Carrie. Tomando como base o clássico Drácula, de Bram Stoker, King substitui a Londres do século XIX por uma pequena e insignificante cidade fictícia da Nova Inglaterra na década de 70. É lá que gradualmente se desenrola a história de Ben Mears, escritor que retorna àquela cidade tentando superar um velho trauma de infância que pode ter implicações com o sobrenatural.
Paralelamente à chegada de Ben a Jerusalem’s Lot, também chegam ali o misterioso Straker e seu ainda mais misterioso sócio Barlow, que supostamente estão interessados em abrir uma loja de “artigos finos” na cidade. Pouco tempo depois, estranhos acontecimentos passam a acontecer na região: mortes e desaparecimentos inexplicáveis e aparentemente sem ligação, que vão se tornando cada vez mais alarmantes. Nesse sentido, este livro me lembrou Totem, de David Morrell (recomendo muito!), livro de terror de estrutura semelhante, mas que substitui vampiros por uma outra criatura assustadora.
          É muito interessante o modo como King constrói o suspense e a atmosfera de horror de forma crescente, revelando aos poucos os detalhes sobre as entidades malignas que estão aterrorizando a população da cidade, permitindo que o leitor descubra por si só que são vampiros, sem atirar essa informação gratuitamente. Infelizmente, todo o trabalho que o autor teve para manter a “identidade” dessas criaturas em sigilo até o momento certo é burlada pelo título da edição brasileira do livro, que praticamente escancara: ”este é um livro sobre vampiros!”. Mesmo na edição mais recente consta na capa a nota “Publicado originalmente como ‘A hora do vampiro’”.
          Os vampiros de King, aliás, seguem o máximo da cartilha clássica: podem flutuar, hipnotizar, transformar-se em névoa para desaparecer, precisam ser convidados para entrar nas casas, temem símbolos cristãos como Bíblias e crucifixos, devem ser destruídos com a tradicional estaca no coração e temem a luz solar. Excetuando-se o vampiro líder (melhor não revelar quem é, para não estragar a leitura mais do que o título já faz), os demais vampiros agem instintivamente, como zumbis, sem inteligência ou vontade própria, movidos apenas pela sede de sangue e pelo comando do “Mestre”.
          Da primeira vez que li A hora do vampiro a impressão que o livro me passou não foi das melhores, de modo que uma resenha que escrevi após aquela leitura deixava transparecer a minha frustração. Pareceu-me, naquela época, que a história tinha um excesso de tramas paralelas desnecessárias e que demorava demais para apresentar os vampiros, apresentando um enredo muito arrastado. Hoje, justifico essa má impressão pelo fato de que este foi o primeiro livro de Stephen King que li; assim, eu ainda não estava familiarizado com as “manhas” e com o estilo característicos do autor, como estou agora. Talvez – e mais uma vez, jogo a culpa no título nacional – eu esperasse um espetáculo sangrento “imediato”, coisa que não é o estilo dele. Chegam sim os momentos de horror e sanguinolência típicos do mestre do terror contemporâneo, mas há todo um desenvolvimento dos personagens e uma detalhada (sim, lenta também) construção dos arcos narrativos antes que o bicho pegue.
          Com essa releitura eu me retrato e ratifico: este é, afinal, um dos melhores livros de vampiros que já li.

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[HQ] ENTREVISTA COM O VAMPIRO: A HISTÓRIA DE CLÁUDIA (Interview with the Vampire: Claudia's Story, 2012)

quinta-feira, 26 de julho de 2018.

Entrevista com o vampiro é provavelmente o livro mais famoso de Anne Rice, motivo pelo qual já foi adaptado na década de 90 para o cinema num filme de grande sucesso e para quadrinhos (não publicados no Brasil). O diferencial desta nova adaptação em HQ, lançada no Brasil em 2015, é que desta vez a história é “filtrada” pela perspectiva de Cláudia, a pequena vampira eternamente aprisionada em corpo infantil que acompanha Louis e Lestat no primeiro volume das Crônicas Vampirescas.
Mesmo quem não leu o livro – mas já viu o filme de Neil Jordan – sabe que Entrevista com o vampiro começa muito antes de Cláudia entrar na história e continua mesmo após o triste destino dela. Assim sendo, esta adaptação de Ashley Marie Witter é narrada em 1ª pessoa por Cláudia e acompanha apenas a sua vida imortal desde o momento de seu “nascimento” até o desfecho no Teatro dos Vampiros. 
          O traço de Witter é belíssimo, rebuscado e profundo, transmitindo a densidade e a atmosfera gótica do livro. Optar pelo tom esmaecido de sépia foi uma ideia muito acertada, pois produz um efeito de contraste de cor marcante nas cenas em que há sangue presente. Isso porque afora o sépia, a única cor predominante é o vermelho vivo do sangue.
          A concepção dos personagens foi outro acerto: Lestat, Cláudia, Armand, Santiago, entre outros, estão bem do modo que eu imaginava ao ler o livro; só não gostei da representação do Louis: o cabelo e as expressões dele me pareceram extraídas de mangá, destoando dos traços dos demais personagens. Contudo, como o visual dos personagens é algo muito subjetivo, esta minha “implicância” não deve ser levada em conta numa análise mais imparcial da obra.
          É claro que, por mais fiel que esta adaptação seja, ela não deve ser lida como “substituta” para o livro, pois, como foi mencionado, ela aborda apenas uma fração do livro (aproximadamente 2/3 dele); porém funciona maravilhosamente como um complemento da obra original, uma nova visão sobre ela.

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[FILME] UM DRINK NO INFERNO (From Dusk till Dawn, 1996)

sábado, 21 de julho de 2018.

Assim como O estranho mundo de Jack é lembrado como um dos filmes mais célebres de Tim Burton, embora não tenha sido dirigido por ele, Um drink no inferno é apontado como um dos principais trabalhos de Quentin Tarantino, embora ele também não seja o diretor desta produção. A direção fica por conta de Robert Rodriguez, mas Tarantino foi o responsável pelo roteiro, além de ser o produtor e atuar em um dos papéis principais.
Na trama, Seth (George Clooney) e Richard (Tarantino) são os irmãos Gecko, criminosos procurados pela polícia do Texas por assalto a banco e assassinato de mais de quinze pessoas. Eles pretendem escapar com o produto de seus roubos fugindo para o México e, para isso, sequestram a família do pastor Jacob Fuller (Harvey Keitel) como reféns e fachada até que a fuga acabe como planejado. Entretanto, quando eles finalmente cruzam a fronteira mexicana, chegam a uma região desolada onde se deparam com o Titty Twister, uma espécie de casa noturna aberta “do anoitecer ao amanhecer” (vindo daí o título original do filme). Os Gecko e os Fuller entram nessa “boate” (aqueles, para comemorar o sucesso na fuga; estes, coagidos pelos primeiros) e, quando a noite fecha, o lugar se transforma no palco de uma carnificina vampiresca liderada pela bela Santanico Pandemonium (Salma Hayek).
          Um drink no inferno é uma mistura de terror e ação, mas também tem umas pitadas de comédia (sobretudo nas sequências de ataque dos vampiros) que lembram os filmes trash da década de 80 em sua melhor forma: desde a maquiagem tosca dos vampiros em sua forma “reptiliana” até os exageros gosmentos nas cenas de violência, é um filme divertidíssimo para quem aprecia o gênero.
          Um ponto que considero particularmente louvável nesse filme é a diversidade de personagens, fugindo dos velhos clichês simplistas dos “mocinhos ingênuos sendo perseguidos pelos monstros maus”: aqui os “heróis” são bandidos, não apenas os Gecko, mas também outros frequentadores do Titty Twister, de caráter duvidoso, como Sex Machine (Tom Savini). O próprio Jacob Fuller está vivendo uma crise de falta de fé que o coloca numa posição bem pouco religiosa em relação aos filhos.
          Outro ponto interessantíssimo é a mitologia criada em Um drink no inferno para os vampiros – pelo menos aqueles que habitam o Titty Twister. Como já mencionado, os vampiros aqui assumem uma forma extravagante quando atacam, com pele, olhos e dentes muito semelhantes aos de répteis. Fica subentendido que eles têm uma origem específica na mitologia asteca (o que é confirmado na cena de desfecho do filme), mas apresentam as características básicas já conhecidas para esses seres: temem símbolos cristãos (crucifixos e água benta), queimam ao sol, transformam-se em morcegos mutantes e podem ser eliminados com a clássica estaca no coração.
         O filme teve duas sequências:

          Um drink no inferno 2: Texas sangrento (From dusk till dawn: Texas bloody money, 1999): Este eu considero inteiramente descartável por não ter vínculo com o primeiro (exceto por uma curta cena no Titty Twister na primeira metade do filme);
          Um drink no inferno 3: A filha do carrasco (From dusk till dawn 3: The hangman’s daughter, 2000): Achei este bem mais interessante que o 2º; não é uma sequência, mas um filme do tipo “o início”, que narra eventos anteriores aos ocorridos no primeiro filme, destacando as origens de Santanico e sua ascensão ao posto de rainha vampira do Titty Twister.
          O filme original também deu origem à série de TV: From Dusk till Dawn: The Series, lançada em 2014, sendo produzida pelo próprio Robert Rodriguez.

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[HQ] MIRZA: A VAMPIRA (2005)

segunda-feira, 16 de julho de 2018.

Mirza é uma personagem criada por Eugênio Colonnese, artista italiano naturalizado brasileiro, um dos mais criativos mestres dos quadrinhos nacionais. Criada na década de 1960, para acompanhar a popularidade das revistas de terror, a personagem obteve bastante sucesso editorial, com suas aventuras repletas de sensualidade e horror sendo constantemente reeditadas.
Antes de falar especificamente sobre as duas histórias contidas em Mirza: A vampira, penso ser importante mencionar os detalhes básicos sobre a origem vampiresca da personagem, a qual não é mostrada nesta edição, mas comentada no material extra situado depois das histórias. Em sua vida humana, Mirza foi Mirela Zamanova (note-se a primeira sílaba de cada nome), sétima filha de uma família nobre que morava na região da Cracóvia no final do século XIX. Tal família acaba indo à falência e sendo amaldiçoada, vindo daí a condição vampírica de Mirela, que depois de sua conversão adota o nome Mirza.
          Na concepção de Colonnese para Mirza, os vampiros possuem as clássicas presas afiadas, temem crucifixos, podem se transformar em morcego, “infectam” as vítimas simplesmente com suas mordidas (não sendo necessário todo aquele ritual de troca de sangue) e podem ser mortos com as famosas estacadas ou punhaladas no coração. Entretanto, diferente da maioria das histórias tradicionais, Mirza pode andar livremente à luz do sol. Em suas histórias, Mirza frequentemente conta com a ajuda de Brooks, um fiel criado corcunda, não vampiro, mas que conhece a “condição” de sua ama. Aliás, na segunda história, “Assunto entre vampiros”, fica bastante evidente a sua lealdade a Mirza.
          Agora, finalmente sobre as histórias: “A noite dos sequestradores”, apresenta uma trama que pode ser considerada bastante corriqueira ao cenário brasileiro, se não fosse pela presença do elemento vampiro: conspirações políticas e atentados à vida de autoridades (neste caso, um prefeito), por motivos passionais e financeiros. Na trama, Mirza descobre um esquema de corrupção contra um prefeito e, como tem um particular apetite por seres humanos abjetos, decide vingar-se dos indivíduos envolvidos e impedir que eles tenham êxito nesse plano. Nessa história, Colonnese introduz um outro personagem célebre, que inclusive inspirou diversas cópias internacionais famosas: O Morto do Pântano, criado como um contraponto a Mirza. Se Mirza é linda, sensual e, vez por outra, age conforme uma espécie de senso moral, o Morto do Pântano é uma criatura vil, repugnante, decrépita e maligna.
         Na segunda história, “Assunto entre vampiros”, Mirza é vítima de duas armadilhas orquestradas por alguém chamado Whig, que é um vampiro “camuflado”. Depois de incitar um casal de ladrões a invadir a mansão de Mirza, Whig arma uma nova emboscada, contando com os sentimentos de revolta e superstição dos aldeões que moram no pequeno povoado próximo à moradia da vampira.
           As duas histórias são curtas, tendo pouco mais de 20 páginas cada uma e o traço de Colonnese é tão dinâmico que parece dar vida fora do papel para seus personagens. É, enfim, uma leitura essencial, tanto para os apreciadores de quadrinhos (sobretudo os nacionais) quanto para aqueles que adoram uma vampira no estilo femme fatale, com pouca roupa, mas muita determinação, do tipo que chuta o pau da barraca e chega "causando": Lady Drácula do mundo moderno.



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[FILME] INOCENTE MORDIDA (Innocent Blood, 1992)

domingo, 15 de julho de 2018.

Vampiros e máfia: essa é a extravagante combinação apresentada em Inocente mordida. Dirigido por John Landis (do clássico Um lobisomem americano em Londres), a história se passa em Pittsburgh e, dessa vez, ao invés do confuso lobisomem David, temos uma vampira chamada Marie (Anne Parillaud) que, conforme a perspectiva, pode ser considerada uma sanguessuga “boazinha”. Isso porque, embora sanguinária e selvagem, Marie persegue e se alimenta somente do sangue de homens “maus”, tendo uma preferência especial por bandidos (itens em abundância naquela cidade). Por essa razão, penso que a tradução literal do título original do filme (“Sangue inocente”) seria muito mais apropriada do que o título nacional, que é bastante genérico. Nesse aspecto, Inocente mordida lembra Garota sombria caminha pela noite, mas a semelhança para aí; se o filme de Ana Lily Amirpour é sério e contemplativo, o de Landis é bem mais leve e dotado do típico senso de humor negro característico do diretor.
          Na trama, Marie conta suas andanças até a malfada noite em que se depara com Sal Macelli (Robert Loggia), o chefão do crime organizado na cidade. Ela o ataca, mas algo dá errado e Macelli acaba se tornando num vampiro que fica cada vez mais forte e insano, chegando ao ponto de pretender converter seus capangas em vampiros também. Cabe a Marie tentar reparar seu erro e impedir Macelli antes que ele transforme a cidade numa espécie de Transilvânia da máfia. Para isso ela conta com a ajuda de Joe Genaro (Anthony Lapaglia), policial que estava infiltrado na gangue de Macelli e com quem Marie acaba desenvolvendo um tórrido vínculo sexual. Aliás, o sexo é um conceito interessante neste filme, pois é uma necessidade tão imperativa para Marie quanto o sangue.
          Os vampiros de Inocente mordida não possuem os tradicionais caninos afiados; suas mordidas, que nada têm de inocentes, são selvagens, arrancando nacos de carne das gargantas das vítimas.  Seus olhos mudam de cor e ficam luminosos como faróis; além disso, quando expostos ao sol, sofrem uma fatal transformação (ponto para os ótimos efeitos práticos).
          Embora se situe no limiar entre o terror e a comédia, o humor de Inocente mordida não é escrachado ou pastelão; as cenas cômicas, como a adaptação de Macelli ao seu estado vampírico e a sequência do advogado no hospital são de um humor negro espontâneo e orgânico que lembra o estilo original de Um lobisomem americano em Londres. Para completar o pacote, o filme faz homenagem a dois clássicos vampirescos do cinema: Drácula, de 1931, com Bela Lugosi e Horror de Drácula, de 1958, protagonizado por Christopher Lee.


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[SÉRIE] BUFFY: A CAÇA-VAMPIROS (Buffy: The Vampire Slayer, 1997-2003)

quinta-feira, 12 de julho de 2018.

Eleita pela revista Empire (referência mundial em entretenimento) como uma das 50 melhores séries de TV de todos os tempos, Buffy, A Caça-Vampiros foi um dos programas mais marcantes e de maior sucesso do final dos anos 90 e início da primeira década de 2000. Isso se deveu tanto à qualidade e consistência do roteiro, que lhe permitiu render 7 temporadas, quanto pelo pioneirismo em abordar o girl power numa trama que mescla drama adolescente com ação e fantasia, tendo como alvo o público jovem.
Criada por Joss Whedon (atualmente responsável por um bocado de filmes de super-heróis), Buffy é uma série derivada do filme homônimo de 1992, o qual não foi bem recebido nem pela crítica e nem pelo público. Whedon, que foi o roteirista do filme, decidiu reformular a história em formato de seriado e assim o programa foi ao ar em 1997 com uma temporada “experimental” de 12 episódios; se também fosse um fiasco, pararia ali. Entretanto, ao contrário do filme, a série teve uma ótima aceitação, assegurando mais 6 temporadas, cada uma com 22 episódios, além de uma série derivada: Angel.
          A série começa com a chegada de Buffy Summers (Sarah Michelle Gellar) a Sunnydale, pequena cidade para a qual ela e sua mãe acabam de se mudar. Ali, Buffy espera ter uma vida normal, mas logo no primeiro episódio tem que retomar suas funções de Caça-vampiro quando percebe que Sunnydale também é um covil de vampiros. Além disso, descobre que a região é uma espécie de centro místico apelidado de “Boca do Inferno”. Isso faz com que a cidade seja constantemente afligida não apenas por vampiros, mas por vários outros seres demoníacos, os quais Buffy deve enfrentar, pois apesar do título “caça-vampiros”, faz parte de suas atribuições livrar a cidade de todas essas ameaças sobrenaturais. Sob a orientação de Giles (Anthony Stewart Head) e dotada de força, resistência e reflexos acima do comum, Buffy entrou para a história como uma das melhores heroínas da TV, além de evidentemente feminista.
          Os vampiros em Buffy são basicamente considerados demônios, pois há um consenso de que eles não possuem alma e, portanto, também não preservam sua humanidade após a transformação. O fato de que seus rostos se transformam monstruosamente quando atacam (como em Os Garotos Perdidos) parece confirmar isso. Em relação a suas características, eles têm intolerância à luz solar, alho e símbolos religiosos. Também não produzem reflexo e só podem entrar em casas nas quais forem convidados. Os principais métodos utilizados por Buffy para executá-los são decapitação ou estacadas no coração, geralmente muito bem coreografadas. Em todo caso, ao serem mortos, esses vampiros viram poeira literalmente; nem as roupas sobram.
          Os vampiros, propriamente, ocupam as 3 primeiras temporadas da série, dividindo a trama com outros seres fantásticos; nas demais temporadas a presença deles é mais esporádica. Na primeira temporada há o Mestre, um poderoso vampiro que planeja libertar-se de sua prisão subterrânea, a qual foi confinado por uma antiga maldição; na segunda temporada é introduzido o punk Spike, que durante a maior parte da série será o arqui-inimigo número 1 de Buffy. Também nessa temporada Buffy tem que lidar com o lado negro de Angel (David Boreanaz), seu namorado “vampiro bonzinho”, que volta aos hábitos sanguinários e cruéis da época em que foi criado. A partir da 3ª temporada os vilões são redefinidos: há o prefeito que planeja se tornar uma espécie de “demônio-cobra”; uma criatura no estilo monstro de Frankenstein, fruto de uma operação militar secreta desastrosa; uma deusa que deseja abrir uma dimensão infernal, trazendo o caos à Terra, etc.
          Buffy é uma série riquíssima em termos de fantasia, mas não é menos interessante na abordagem das situações reais que permeiam o universo adolescente e sua transição para o mundo adulto. Amor, sexo, escola, trabalho, família, amizade são temas recorrentes na série, de forma explícita ou alegórica. Há episódios, inclusive, que abordam questões específicas, como relacionamentos abusivos e bullying.
          Muito mais poderia ser falado acerca dessa série, mas como pretendo restringir o blog ao vampirismo nas produções, é melhor não me estender ainda mais por outros caminhos. Para quem tem interesse em se aprofundar nas temáticas do programa, além dos vampiros, recomendo o livro Buffy: A Caça-Vampiros e a Filosofia. Composto por uma coletânea de artigos a respeito de vários aspectos da série, o livro faz parte de uma coleção da Editora Madras sobre a Filosofia na cultura pop.


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[LIVRO] ENTREVISTA COM O VAMPIRO (Interview with the Vampire, 1976)

domingo, 8 de julho de 2018.

Anne Rice é incontestavelmente a rainha da literatura gótica/fantástica moderna, reconhecimento conquistado por suas obras sombrias e sensuais, particularmente As Crônicas Vampirescas, das quais Entrevista com o vampiro é o primeiro volume. Resgatando alguns elementos das histórias tradicionais (vampiros de beleza hipnótica que dormem em caixões e queimam ao sol) e desconsiderando outros (estacas no peito, intolerância a símbolos religiosos, capacidade de se transformar em animais ou névoa), Rice constrói um romance grandioso (não em extensão, mas em profundidade), dando uma dimensão filosófica e poética ao vampirismo raramente vista na literatura do gênero.
O título do livro é autoexplicativo: a obra é predominantemente narrada em 1ª pessoa pelo vampiro Louis de Pointe du Lac, que conta a um repórter sua conturbada existência imortal desde as origens, no século XVII. Nessa época ele tinha pouco mais de vinte anos de idade e estava passando por uma forte depressão motivada por uma tragédia na família (tragédia essa que não é a mesma mostrada na adaptação para o cinema). É então que Lestat de Lioncourt cruza o caminho de Louis e muda seu destino mortal para sempre.
          Lestat é apresentado como ardiloso e sedutor, manifestando por Louis um interesse duplo: primeiro, apossar-se de suas terras; paralelamente, deseja obter um companheiro e “amante” eterno, uma vez que se sente fortemente atraído pela beleza e o sentimentalismo de Louis. A propósito, um aspecto marcante na obra de Anne Rice, presente também nos demais volumes, é a fascinação pela beleza, seja a dos vampiros que seduzem os mortais, seja a dos humanos que encantam os imortais. Nesse sentido, não é de estranhar o tom sutilmente homoerótico que permeia a obra.
          Se Louis remete aos ultrarromânticos byronianos, com todo aquele drama existencial envolvendo o sofrimento e o desgosto de viver, Lestat se encaixa, inversamente, nos moldes hedonistas, preocupado apenas com a satisfação de suas vontades e apetites, bem como pelos demais prazeres que acompanham a imortalidade.
          Entrevista com o vampiro é parcialmente resultado de uma experiência traumática da autora: a perda de sua filha, morta ainda criança em decorrência da leucemia. O livro representa essa filha alegoricamente na forma da pequena Cláudia, a criança “adotada” por Louis e Lestat e transformada em vampira por eles.
          Outro personagem interessantíssimo da história (e, particularmente, o meu personagem favorito das Crônicas) é o vampiro Armand, que ganha mais destaque nos volumes seguintes, tendo, inclusive, um livro próprio.  Ele dirige o Teatro dos Vampiros, em Paris; trata-se de um covil de vampiros que “fingem ser humanos que fingem ser vampiros”, atraindo multidões para os espetáculos muitas vezes mórbidos que encenam nos palcos.
          Mesmo sendo o primeiro livro de uma longa série que ainda não foi encerrada, Entrevista com o vampiro pode ser lido sem preocupação imediata com as sequências, pois possui uma história completa: a vida de Louis, de sua transformação até os dias atuais, das descobertas às viagens pelo mundo, está tudo ali. A escrita detalhista e imersiva de Anne Rice, somada à primorosa tradução de Clarice Lispector proporcionam uma leitura fundamental aos fãs dos sanguessugas, sobretudo em se tratando de vampiros que se permitem ser monstros sem deixar de ser aristocráticos.

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[FILME] GAROTA SOMBRIA CAMINHA PELA NOITE (A Girl Walks Home Alone At Night, 2014)

quarta-feira, 4 de julho de 2018.

Como o próprio título sugere, Garota sombria caminha pela noite acompanha as andanças noturnas de uma moça sem nome pelas ruas de uma cidade iraniana fictícia chamada Bad City (nome que cai como uma luva para aquele lugar deprimente povoado de traficantes, viciados e prostitutas). A moça, como se vem a saber em pouco tempo, é uma vampira solitária que vaga à procura dos miseráveis que não faltam naquelas ruas, o que inclui desde crianças más até mafiosos. Posteriormente, ela conhece o problemático Arash (Arash Marandi), numa cena que inverte e ironiza o papel clássico de vampiro x donzela indefesa. A estranha ligação que se desenvolve entre eles é acentuada pelo amor em comum pela música (aliás, um ponto que merece destaque neste filme é a ótima trilha sonora).
Com direção de Ana Lily Amirpour, Garota sombria caminha pela noite rapidamente ganhou status de cult, e chama a atenção por ser original utilizando recursos simples, começando por optar pela filmagem em preto e branco, o que contribui para dar a sugestão de ambiente decadente e mórbido, mesmo nas cenas diurnas. Além disso, reforça a ideia de que aquele ambiente é mesmo o Irã, quando na verdade este é um filme americano. O fato de ter sido filmado em farsi acentua ainda mais o “embuste”.
          Quanto à vampira,  merece particular destaque, primeiro pela atuação de Sheila Vand; ela tem poucas falas, mas seus olhares, gestos e até silêncios são carregados de uma expressividade impressionante. Outro aspecto interessante é a representação do vampiro aqui; a garota só aparece à noite, o que evidencia ser uma sanguessuga à moda antiga (embora não haja qualquer referência a suas origens). Ela também não ingere nada, além de sangue e possui caninos retráteis semelhantes aos dos vampiros de True Blood. Assim como não explica a origem vampírica da garota, o filme não introduz e nem segue uma receita para a conversão em vampiro: ela foi mordida? Ou o vampiro é uma espécie, e, portanto, a garota já nasceu assim? Não acho que essas explicações tenham feito falta, porque fica claro que a intenção do filme não é abordar a mitologia vampiresca; isso parece não ter importância para a diretora, mais preocupada em inserir um subtexto fortemente feminista na obra. O fato de a garota ser a única vampira no filme evidencia que Garota sombria caminha pela noite é, antes de qualquer coisa, um drama sobre solidão e desajuste social temperado com o sobrenatural.
          Com um ritmo lento que remete a Deixa Ela Entrar e Martin, este filme é mais um dos que podem desagradar aqueles que esperam ação e carnificina; não que a garota aqui seja sutil ou politicamente correta na hora de deixar seus impulsos sanguinários virem à tona: muito pelo contrário! Porém, é uma produção mais contemplativa, que sobrepõe o vazio existencial e a – talvez – descoberta do amor às cenas sangrentas e grotescas.

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[QUADRINHOS] INTERVIEW WITH THE VAMPIRE (1991 - 1994)

         Publicada pela Innovation Comics, Interview with the vampire foi a primeira transposição do romance homônimo de Anne Rice para out...