Anne Rice é incontestavelmente a rainha da literatura
gótica/fantástica moderna, reconhecimento conquistado por suas obras sombrias e
sensuais, particularmente As Crônicas Vampirescas, das quais Entrevista com o
vampiro é o primeiro volume. Resgatando alguns elementos das histórias
tradicionais (vampiros de beleza hipnótica que dormem em caixões e queimam ao sol) e
desconsiderando outros (estacas no peito, intolerância a símbolos religiosos, capacidade de se transformar em animais ou névoa),
Rice constrói um romance grandioso (não em extensão, mas em profundidade),
dando uma dimensão filosófica e poética ao vampirismo raramente vista na
literatura do gênero.
O título do livro é autoexplicativo: a obra é predominantemente
narrada em 1ª pessoa pelo vampiro Louis de Pointe du Lac, que conta a um
repórter sua conturbada existência imortal desde as origens, no século XVII.
Nessa época ele tinha pouco mais de vinte anos de idade e estava passando por
uma forte depressão motivada por uma tragédia na família (tragédia essa que não
é a mesma mostrada na adaptação para o cinema). É então que Lestat de Lioncourt
cruza o caminho de Louis e muda seu destino mortal para sempre.
Lestat é apresentado como ardiloso e sedutor, manifestando por
Louis um interesse duplo: primeiro, apossar-se de suas terras; paralelamente,
deseja obter um companheiro e “amante” eterno, uma vez que se sente fortemente
atraído pela beleza e o sentimentalismo de Louis. A propósito, um aspecto
marcante na obra de Anne Rice, presente também nos demais volumes, é a
fascinação pela beleza, seja a dos vampiros que seduzem os mortais, seja a dos
humanos que encantam os imortais. Nesse sentido, não é de estranhar o tom
sutilmente homoerótico que permeia a obra.
Se Louis remete aos ultrarromânticos byronianos, com todo aquele
drama existencial envolvendo o sofrimento e o desgosto de viver, Lestat se
encaixa, inversamente, nos moldes hedonistas, preocupado apenas com a satisfação
de suas vontades e apetites, bem como pelos demais prazeres que acompanham a
imortalidade.
Entrevista com o vampiro é parcialmente resultado de uma
experiência traumática da autora: a perda de sua filha, morta ainda criança em
decorrência da leucemia. O livro representa essa filha alegoricamente na forma
da pequena Cláudia, a criança “adotada” por Louis e Lestat e transformada em
vampira por eles.
Outro personagem interessantíssimo da história (e,
particularmente, o meu personagem favorito das Crônicas) é o vampiro Armand,
que ganha mais destaque nos volumes seguintes, tendo, inclusive, um livro
próprio. Ele dirige o Teatro dos Vampiros,
em Paris; trata-se de um covil de vampiros que “fingem ser humanos que fingem
ser vampiros”, atraindo multidões para os espetáculos muitas vezes mórbidos que
encenam nos palcos.
Mesmo sendo o primeiro livro de uma longa série que ainda não foi
encerrada, Entrevista com o vampiro pode ser lido sem preocupação imediata com
as sequências, pois possui uma história completa: a vida de Louis, de sua
transformação até os dias atuais, das descobertas às viagens pelo mundo, está
tudo ali. A escrita detalhista e imersiva de Anne Rice, somada à primorosa
tradução de Clarice Lispector proporcionam uma leitura fundamental aos fãs dos
sanguessugas, sobretudo em se tratando de vampiros que se permitem ser monstros
sem deixar de ser aristocráticos.
4 comentários:
Tá vendo, eu disse que viria visitar seu blog :)
Sabia que você gostava de vampiros, só não imaginava o quanto.
Parabéns, você está fazendo um excelente trabalho aqui.
Um abraço, até mais.
Cleuzita Apontes
Obrigado pela visita e pelo comentário, Cleuzita! É um ótimo estímulo. :)
Olá!
Desejo sucesso pra você!
Que Lestat te ouça!
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