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[LIVRO] TRUE BLOOD E A FILOSOFIA (True Blood and Philosophy, 2010*)

sexta-feira, 16 de novembro de 2018.

*Publicação original

True Blood e a Filosofia faz parte de uma coleção de livros sobre a filosofia na cultura pop (cinema, literatura, TV, música, etc.) publicados no Brasil pela editora Madras (a maioria dos títulos) e pela Best Seller. Os livros são compostos basicamente por ensaios reunidos em partes temáticas. Especificamente este livro é organizado em cinco partes muito distintas, cada qual dividida em três capítulos dotados de títulos sugestivos e que, por sua vez, dividem-se em subtítulos para uma abordagem mais organizada dos temas. Os capítulos da obra são escritos por autores diferentes, o que torna a sua organização em partes separadas não apenas útil, mas muito necessária. Em resumo, o conteúdo do livro pode ser simplificado assim (na ordem em que se encontram):

1ª PARTE : A ÉTICA HUMANO-VAMPIRESCA 
1) Transformar ou não transformar: A Ética de fazer vampiros, de Christopher Robichaud, discorre acerca de temas como consentimento, respeito e ética, embasando-se principalmente na filosofia de Immanuel Kant e de seu conceito sobre o imperativo categórico.
2) Fantasiando-se e brincando de ser humano: Assimilação dos vampiros no playground humano, de Jennifer Culver, como o próprio título sugere, reflete sobre assimilação e aceitação através da obediência às regras sociais. Nessa parte, onde a participação do indivíduo na sociedade é representada como um jogo, os fundamentos são embasados na filosofia de John Huizinga e sua definição de jogo.
3) Bichos de estimação, gado e formas de vida superiores, de Ariadne Blayde e George Dunn, filosofa sobre os valores dos seres, quando postos em escala comparativa. Assim, questiona a superioridade dos seres humanos em relação aos demais animais e, naturalmente, da superioridade dos vampiros em relação aos seres humanos. Para tanto, utiliza ideias de Kant (autonomia moral), Aristóteles e Tomás de Aquino.

2ª PARTE: A POLÍTICA DE SER UM MORTO
1) Pacto de sangue: Os direitos e o contrato social vampiresco-humano, de Joseph J. Foy, argumenta sobre a questão dos direitos civis e suas implicações quando sociedade e religião entram em atrito. Aqui duas perspectivas filosóficas ganham destaque: o direito natural de John Locke e o contrato social de John Rawls.
2) Querida, se não podemos matar os humanos, para que serve ser um vampiro?, de William M. Curtis, lida com conceitos sobre política, cidadania e direitos de grupo, evocando princípios aristotélicos sobre política e ética, tolerância e autonomia, além do liberalismo de Kukathas, e a socialização e identidade vampirescas sob a alegoria de Thomas Nagel sobre experiências subjetivas.
3) Sangue de mentira: A política da artificialidade, de Bruce A, McClelland, reflete sobre a inserção social através da artificialidade, baseando-se no consumo do TruBlood como modo de formar consumidores ideais e vulneráveis, suprimindo as identidades.

3ª PARTE: EROS, SEXUALIDADE E GÊNERO
1) Saindo do caixão e do armário, de Patricia Brace e Robert Arp, toma por base o slogan God hates fangs e discorre sobre a natureza sexual vampiresca, suas analogias à homossexualidade e a intolerância social vinculada à religião. Faz também analogias à alimentação e sexo dos vampiros de True Blood.
2) Eu sou Sookie, ouça meu rugido!, de Lillian Craton e Kathryn Jonell, lida com feminismo e independência sexual (tema que é aprofundado na parte seguinte).
3) Sookie, Sigmund e o complexo comestível, de Ron Hirschbein traça paralelos entre a psicanálise freudiana e sua relação com sexo, instinto, controle, dentro e fora do universo de True Blood.

4ª PARTE: O NATURAL, O SOBRENATURAL E O DIVINO
1) Que venham os Bon Temps: Sacrifício, bodes expiatórios e bons tempos, de Kevin Corn e George Dunn, fala do desvio de culpa feito pela massa para manter sua união comunidade, a loucura coletiva da mentalidade de grupo descrita por Nietzsche e posta em prática na 2ª temporada de True Blood em seu culto dionisíaco.
2) Seriam os vampiros não naturais?, de Andrew Terjesen e Jenny Terjesen, explica conceitos de natural, inatural e imoral desde a semântica até as explicações mecanicistas de Descartes.
3) Deus odeia caninos?, de Adam Barkman, desmistifica algumas características religiosas associadas aos vampiros, discute o livre-arbítrio e algumas ideias filosóficas obsoletas, como de Allatius em relação a demônios e possessões.

5ª PARTE: A METAFÍSICA DOS SERES SOBRENATURAIS
1) O coração de um vampiro tem razões que o naturalismo científico é incapaz de compreender, de Susan Peppers-Bates e Josh Rust, debate ideias como existência e universo conforme a metafísica, mencionando Tales, o naturalismo científico e a vida sob o ponto de vista científico, bem como as implicações filosóficas decorrentes dessa perspectiva.
2) Escondendo segredos de Sookie, de Fred Curry, reflete sobre experiências subjetivas da consciência (os qualia) e cita, como exemplo, o espectro invertido de John Locke.
3) Vampiros, lobisomens e metamorfos: Quanto mais eles mudam, mais continuam os mesmos, de Sarah Grubb, encerra o livro retomando a discussão sobre identidade pessoal, levantando conjecturas por meio da teoria corporal, teoria da memória e continuidade psicológica.

True Blood e a filosofia é, a meu ver, um livro riquíssimo em referências e solidez nos argumentos, indispensável aos amantes da série, mas também a quem deseja se aventurar em variados aspectos da filosofia através da deliciosa alegoria vampiresca construída por Alan Ball a partir da obra de Charlaine Harris.

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[FILME] OS GAROTOS PERDIDOS (The Lost Boys, 1987)

quarta-feira, 7 de novembro de 2018.
Após se divorciar, Lucy (Diane Wiest) se muda para a pequena cidade costeira de Santa Carla, na Califórnia, com seus dois filhos, Michael (Jason Patric) e Sam (Corey Haim). Enquanto Sam, o caçula, se distrai frequentando a gibiteria dos Irmãos Frog, Michael vai a uma festa noturna na praia e conhece Star (Jami Gertz), uma misteriosa moça por quem se apaixona. O problema é que Star está ligada a uma gangue de jovens rebeldes e arruaceiros liderados por David (Kiefer Sutherland). Michael acaba se envolvendo com o bando e, pouco depois, passa por uma série de estranhas mudanças físicas e comportamentais sem explicação aparente. É aí que entram em ação os irmãos Alan (Jamison Newlander) e Edgar Frog (Corey Feldman): eles revelam a Sam que são, na verdade, matadores de vampiros, e que Michael está se tornando um desses terríveis seres da noite. Para ajudar o irmão a voltar a ser humano, Sam e os Irmãos Frog precisam encontrar e destruir o vampiro mestre, aquele cujo sangue Michael bebeu inadvertidamente.
          Ao apresentar vampiros no universo adolescente, pode-se dizer que Os garotos perdidos representou, para a cultura pop dos anos 80, o mesmo impacto causado pela série Crepúsculo no final da década de 2000. Evidentemente, a semelhança termina aí, pois os vampiros do filme de Joel Schumacher (o sujeito que mais tarde seria repudiado por destruir a carreira do Batman no cinema) nada têm do espírito politicamente correto característico daqueles sugadores do século XXI. Ao contrário, eles são selvagens e manipuladores, sendo também sedutores quando lhes convêm.
          Um dos aspectos que mais chamam a atenção em Os garotos perdidos é que o filme preserva o máximo de características da mitologia vampírica tradicional: aqui eles são feridos por cruzes, água benta e alho, queimam ao sol, podem ser destruídos com estacas no coração, não têm reflexo, precisam de convite para entrar nas casas, têm caninos pontiagudos, podem voar e dormem em lugares escuros, de preferência suspensos no teto como morcegos.
          Como foi dito no texto sobre Quando chega a escuridão, há bastante semelhança entre este e aquele filme: além de ambos serem de 1987, contam com uma trama romântica juvenil que ocorre no seio de uma gangue de vampiros marginais e sanguinários.
          Os garotos perdidos é, enfim, uma das produções vampirescas mais marcantes sobre o tema já realizadas, merecendo o status de cult que possui entre sua legião de fãs; é também um filme estiloso e nostálgico, com a cara dos anos 80 (os cortes de cabelo e penteados da turma de David são clássicos). Nos aspectos técnicos ele também se destaca, com boa direção de arte, maquiagem, efeitos e trilha sonora: é impossível ouvir “Cry little sister” sem associar a música imediatamente ao filme.

Mais de vinte anos depois do filme original, foram lançadas duas sequências inteiramente descartáveis:

Garotos perdidos 2: A Tribo (Lost boys: The Tribe, 2008) dirigido por P.J. Pesce, nada acrescenta de relevante ao primeiro. O único ator remanescente é Corey Feldman, mais uma vez na pele do caçador de vampiros Edgar Frog. Dessa vez ele é procurado por um jovem cuja irmã foi infectada e está prestes a se tornar uma morta-viva definitivamente. Afora as cenas gore, é um filme chato, insosso e sem personalidade. Ele tenta ousar com algumas cenas mais violentas e elaboradas do que as do original (algo fácil, já que os efeitos especiais evoluíram muito de lá para cá), mas tais cenas são poucas e não compensam o andamento desinteressante do filme. O apelo sexual gritante também não ajudou esta produção a se destacar positivamente.




Garotos perdidos 3: A Sede (Lost boys: The Thirst, 2010) dirigido por Dario Piana, é ligeiramente mais consistente que o segundo, mas igualmente dispensável. Aqui ao menos há algumas conexões com o primeiro filme: uma referência a Michael e Star, a presença de Alan e uma homenagem a Sam. Quanto à trama, à primeira vista parece ter sido tirada de True Blood, falando sobre o uso de sangue de vampiro como uma droga; entretanto, se na série da HBO o propósito do uso de “V” era o efeito alucinógeno e afrodisíaco, neste filme o objetivo é bem mais pretensioso... e clichê: formar um exército de vampiros a partir do sangue do “original”.


Pessoalmente, acho Os garotos perdidos um filme completo e irretocável; uma mistura muito bem dosada de terror, romance e comédia. O fato de as continuações terem sido lançadas duas décadas depois acabou por torná-las ainda mais descaracterizadas e distantes do original. Se, hipoteticamente, essas sequências tivessem sido produzidas ainda entre o final dos anos 80 e meados da década de 90, talvez fossem melhores, pois, mesmo com roteiros fracos, ao menos teriam aquela atmosfera saudosista e estilo marcante do primeiro.

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[QUADRINHOS] INTERVIEW WITH THE VAMPIRE (1991 - 1994)

         Publicada pela Innovation Comics, Interview with the vampire foi a primeira transposição do romance homônimo de Anne Rice para out...