Escrito e dirigido por ninguém menos que George
Romero (ele mesmo, o “pai dos zumbis”), Martin infelizmente
não carrega a popularidade e a fama dos clássicos do cineasta, como A noite dos mortos-vivos ou Dia dos mortos. Apesar disso, foi
aclamado pela crítica como um dos trabalhos mais originais na abordagem do
vampirismo e o próprio Romero chegou a afirmar que se trata do seu melhor
filme.
O que define um vampiro? Ter uma sede incontrolável
por sangue humano? Transformar-se em morcego? Ter caninos longos e afiados?
Dormir num caixão? Temer símbolos religiosos e alho? Romero descontrói toda essa
mitologia e reduz o vampirismo praticamente a um status patológico no limiar entre a paranoia e a esquizofrenia.
Na história acompanhamos o excêntrico
personagem-título Martin (John Amplas), que acredita ser um vampiro, resultado de uma
maldição que está na sua família há muitas gerações. Essa crença é corroborada
por Cuda (Lincoln Maazel), um primo seu, que realmente acredita que Martin é um Nosferatu e,
apesar de levá-lo para morar consigo, tem a casa cheia de crucifixos e réstias
de alho, artigos que na mentalidade dele podem protegê-lo e suprimir os
impulsos vampirescos de Martin enquanto ele vive ali. Aliás, se observarmos o
filme como um retrato de distúrbios mentais, perceberemos que Martin não é o
único neurótico da família; o final do filme, chocante e imprevisível, diga-se
de passagem, deixa claro o que já estava subentendido do fanatismo
supersticioso de Cuda.
Logo na introdução do filme vemos Martin atacando uma
vítima que viaja com ele num trem; metodicamente, ele injeta uma droga numa
mulher, imobilizando-a e posteriormente fazendo sexo com ela. Só então ele
utiliza uma lâmina para fazer um corte longitudinal num dos braços dela,
alimentando-se do sangue que jorra dali. Tudo isso é feito com a mulher ainda
inerte pelo efeito da injeção; terminada a refeição, Martin se livra das
evidências de sua presença ali e desaparece (não literalmente, evaporando ou
virando névoa como Drácula: simplesmente saindo sorrateiro do vagão). Talvez
este parágrafo soe muito “spoilerento”, mas achei importante detalhar o modus operandi de Martin porque ao longo
do filme ele fará novas vítimas seguindo esse processo meticulosamente.
É interessante como Romero trabalha a associação
entre sexo e alimentação vampiresca; desde clássicos, como o Drácula do Coppola até produções modernas,
como a série True Blood, a mordida e
o ato de se alimentar têm uma óbvia conotação sexual, erótica. As vítimas de
Martin são invariavelmente mulheres atraentes e, sendo ele tímido e
introvertido, a princípio só consegue obter alguma satisfação sexual com alguém inconsciente.
Uma coisa completa a outra.
A “geração ZZZ” (aquela para quem um filme de vampiro
precisa ser obrigatoriamente um espetáculo sangrento ao estilo 30 dias de noite ou Vampiros de John Carpenter para ser considerado “bom”) pode
considerar Martin um filme maçante e vazio, mas ao se deixar levar por essa
impressão superficial estarão deixando de apreciar um ótimo trabalho de Romero,
diferente de tudo o que ele já fez. Aqui ele mescla um horror original, crítica alegórica ao preconceito e à intolerância e doses generosas de drama psicológico e existencial conforme a perspectiva de quem assiste.
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