
Refilmagem americana do cultuado filme sueco Lat den rätte komma
in (Deixa ela entrar), de 2008, Deixe-me entrar apresenta uma proposta ousada na narração da
trama, uma vez que os protagonistas são crianças – e uma delas é vampira. A
inovação do filme, entretanto, está na postura assumida: o distanciamento de
infantilidades; não há pretensão de atenuar violência ou apresentar personagens
rasos, por se tratar de crianças, mas, pelo contrário, determinados assuntos
“adultos” são tratados com naturalidade no decorrer da projeção, sem maquiagem
ou floreios visuais.
Girando em torno do garoto Owen (Kodi Smit-McPhee), a história
revela seu cotidiano difícil, principalmente por sofrer humilhações e bullying
na escola; uma cena em especial, em que ele passa por um terrível
constrangimento no banheiro é perturbadora o bastante para o espectador notar
que evidentemente não está diante de um produto típico para o público infantil.
É em um desses momentos de revolta por tais humilhações que Owen
conhece Abby (Chlöe Grace Moretz), uma garota mais ou menos da idade dele, que
acabou de se mudar para o apartamento ao lado de sua casa. A partir de então,
desenvolve-se uma relação razoavelmente amistosa entre eles, embora Owen
estranhe os mistérios em torno de Abby, como sua insensibilidade ao frio e a
intolerância à comida.
Chama a atenção o contraste construído pela história ao apresentar
a vampira mirim Abby: nos momentos em que está com Owen, ela é melancólica, mas
afável e o filme assume, nesses momentos, contornos de romance infantil, muito
inocente; entretanto, nas situações em que Abby caça e ataca para se alimentar
– e, a essa altura, já está claro que ela não aprecia coelhos ou esquilos – ela
é selvagem e assustadora, garantindo as cenas mais sangrentas do filme. Este
contraste, esta dualidade de personalidade conforme o instante é uma das
melhores sacadas da obra, pois garante um equilíbrio entre as ações da
personagem, afastando-a do clichê de ser politicamente correta e dando-lhe
profundidade, multidimensionalidade.
Frequentemente se fala que o filme original é muito superior ao
remake, mas, embora isso seja verdade, o filme de Reeves possui uma abordagem
notavelmente distinta do filme sueco. Enquanto a película de Tomas Alfredson é
baseada livro homônimo de John Ajvide Lindqvist, mais concentrado no desenvolvimento do drama e na
construção psicológica dos personagens, deixando o vampirismo quase como uma “segunda
camada” da história, o novo filme busca um ponto de equilíbrio entre esses temas,
dando, porém, ênfase à ação, já que o objetivo aqui é atrair o público dos
tradicionais filmes de vampiro sangrentos. Isto não significa que o roteiro da
refilmagem seja ruim; não; nesta versão, conforme mencionado, a perspectiva é
diferenciada e, embora a violência gráfica e a ação com toques de suspense
policial sejam os principais atrativos, os demais aspectos do longa não
decepcionam o espectador.
A transposição da história de Estocolmo para Novo México preservou
as características básicas do filme original no plano visual (como, por
exemplo, o cenário: uma cidade fria, onde está sempre nevando), enquanto Matt
Reeves demonstrou habilidade em controlar o timing do filme, dando aos
personagens mirins o tempo necessário, sem pressa ou atraso no desenvolvimento
da história, para que a mesma não soasse artificial ou forçada.
Em resumo, este remake pode não alcançar o nível dramático do
original (até porque o elemento da perversão sexual, de importância crucial no
filme e livro suecos, foi sutilmente desfocado nesta versão), mas ainda assim é
uma produção que tem mais personalidade do que muitos “originais” atuais, como
os da lista 10 filmes de vampiro para morrer antes de ver.
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