Páginas

[FILME] DEIXE-ME ENTRAR (Let me in, 2010)

quinta-feira, 7 de junho de 2018.

          Da mesma forma que A Hora do Espanto, de 2011, aproveitou a onda de “ressurreição” dos bebedores de sangue para refilmar um clássico do gênero, o diretor Matt Reeves (realizador do considerável sucesso Cloverfield: Monstro) apresenta mais um remake para o rol da temática vampiresca, já tão desgastada. Contudo, Deixe-me Entrar (Let Me In) difere agradavelmente da maioria das produções atuais do gênero ao trazer uma abordagem séria e crua ao assunto, resgatando conceitos essenciais do mesmo, ao tempo em que inova nos rumos da história.
          Refilmagem americana do cultuado filme sueco Lat den rätte komma in (Deixa ela entrar), de 2008, Deixe-me entrar apresenta uma proposta ousada na narração da trama, uma vez que os protagonistas são crianças – e uma delas é vampira. A inovação do filme, entretanto, está na postura assumida: o distanciamento de infantilidades; não há pretensão de atenuar violência ou apresentar personagens rasos, por se tratar de crianças, mas, pelo contrário, determinados assuntos “adultos” são tratados com naturalidade no decorrer da projeção, sem maquiagem ou floreios visuais.
          Girando em torno do garoto Owen (Kodi Smit-McPhee), a história revela seu cotidiano difícil, principalmente por sofrer humilhações e bullying na escola; uma cena em especial, em que ele passa por um terrível constrangimento no banheiro é perturbadora o bastante para o espectador notar que evidentemente não está diante de um produto típico para o público infantil.
          É em um desses momentos de revolta por tais humilhações que Owen conhece Abby (Chlöe Grace Moretz), uma garota mais ou menos da idade dele, que acabou de se mudar para o apartamento ao lado de sua casa. A partir de então, desenvolve-se uma relação razoavelmente amistosa entre eles, embora Owen estranhe os mistérios em torno de Abby, como sua insensibilidade ao frio e a intolerância à comida.
          Chama a atenção o contraste construído pela história ao apresentar a vampira mirim Abby: nos momentos em que está com Owen, ela é melancólica, mas afável e o filme assume, nesses momentos, contornos de romance infantil, muito inocente; entretanto, nas situações em que Abby caça e ataca para se alimentar – e, a essa altura, já está claro que ela não aprecia coelhos ou esquilos – ela é selvagem e assustadora, garantindo as cenas mais sangrentas do filme. Este contraste, esta dualidade de personalidade conforme o instante é uma das melhores sacadas da obra, pois garante um equilíbrio entre as ações da personagem, afastando-a do clichê de ser politicamente correta e dando-lhe profundidade, multidimensionalidade.
          Frequentemente se fala que o filme original é muito superior ao remake, mas, embora isso seja verdade, o filme de Reeves possui uma abordagem notavelmente distinta do filme sueco. Enquanto a película de Tomas Alfredson é baseada livro homônimo de John Ajvide Lindqvist, mais concentrado no desenvolvimento do drama e na construção psicológica dos personagens, deixando o vampirismo quase como uma “segunda camada” da história, o novo filme busca um ponto de equilíbrio entre esses temas, dando, porém, ênfase à ação, já que o objetivo aqui é atrair o público dos tradicionais filmes de vampiro sangrentos. Isto não significa que o roteiro da refilmagem seja ruim; não; nesta versão, conforme mencionado, a perspectiva é diferenciada e, embora a violência gráfica e a ação com toques de suspense policial sejam os principais atrativos, os demais aspectos do longa não decepcionam o espectador.
          A transposição da história de Estocolmo para Novo México preservou as características básicas do filme original no plano visual (como, por exemplo, o cenário: uma cidade fria, onde está sempre nevando), enquanto Matt Reeves demonstrou habilidade em controlar o timing do filme, dando aos personagens mirins o tempo necessário, sem pressa ou atraso no desenvolvimento da história, para que a mesma não soasse artificial ou forçada.
          Em resumo, este remake pode não alcançar o nível dramático do original (até porque o elemento da perversão sexual, de importância crucial no filme e livro suecos, foi sutilmente desfocado nesta versão), mas ainda assim é uma produção que tem mais personalidade do que muitos “originais” atuais, como os da lista 10 filmes de vampiro para morrer antes de ver.

0 comentários:

Postar um comentário

[QUADRINHOS] INTERVIEW WITH THE VAMPIRE (1991 - 1994)

         Publicada pela Innovation Comics, Interview with the vampire foi a primeira transposição do romance homônimo de Anne Rice para out...