Cedo ou tarde chegaria a hora de falar sobre
Crepúsculo, seja devido a frequentes comparações com outras produções
literárias ou cinematográficas atuais sobre vampiros para o público jovem, seja
simplesmente para destacar a abordagem e características peculiares conferidas
por Stephenie Meyer a seus bebedores de sangue. Este post não irá dissertar
sobre os dilemas adolescentes da Bella; o objetivo aqui é focar nas
características vampirescas e no contexto delas no universo criado por Meyer. Assim
deixarei de lado as sequências e irei me deter basicamente no primeiro livro, uma
vez que as regras estabelecidas ali são válidas para as continuações da série.
Para começar, vamos às características clássicas dos
vampiros preservadas em Crepúsculo: são pálidos, possuem pele gelada e dura
como mármore, têm força e velocidade sobre-humanas, beleza incomum e, claro,
alimentam-se exclusivamente de sangue. Até aqui, essa descrição bem poderia ser
aplicada aos vampiros de Anne Rice ou de Bram Stoker, só para citar as
referências máximas em literatura vampiresca. Contudo, Meyer acrescentou e/ou
alterou outras características, coisa que, se não agradou aos leitores tradicionais,
merecem ser analisadas mais a fundo.
Aqui os vampiros não dormem, não temem símbolos
religiosos nem alho (contraste entre Stoker e Rice: tais apetrechos têm efeito
no primeiro, mas são igualmente inúteis na segunda) e não temem a luz solar
(situação contrária: o próprio Drácula passeia por Londres durante o dia, mas
os personagens das Crônicas Vampirescas não têm esse privilégio). Aliás, essa
questão da luz solar merece particular atenção; a regra de que os vampiros
devem queimar ao sol é um conceito surgido com Nosferatu, de Murnau, em 1922. Até
então os vampiros não apareciam durante o dia simplesmente porque eram seres
noturnos e, como tais, precisavam dormir do amanhecer ao cair da noite, fosse
para abastecer seu “poder maligno” (Drácula), fosse porque eram concebidos como
assombrações que, portanto, poderiam atormentar “melhor” os vivos à noite, como
os fantasmas supostamente fazem.
Enfim, voltando a Crepúsculo, provavelmente o aspecto
que mais indignou os leitores e tornou Edward e sua turma alvo de chacota e
apelidos como “vampiro-fada”, foi justamente o fato de eles brilharem ao sol.
Lendo o livro, dá para entender a justificativa parcial para isso: sendo esses
vampiros extremamente pálidos e duros, é compreensível que sua pele reflita a
luz, como ocorre em qualquer superfície clara, lisa e rígida, resultando nesse
brilho. Entretanto, devo dizer que também não gostei desse efeito Globeleza;
acredito que se a autora não queria adotar o efeito churrasco, uma vez que seus
vampiros são diurnos, poderia simplesmente ignorar o fator sol, como ocorre na
série de TV Being Human. Contudo, apesar das zombarias, esse brilho de diamante
dos vampiros de Meyer me incomodou muito menos do que o fato de eles fazerem o
ensino médio para sempre, colecionando chapéus de formatura ao longo das
décadas, enquanto esperam encontrar seu verdadeiro amor humano. Isso para mim
foi o ponto mais deprimente do livro, o ápice do tédio de viver.
Agora, em relação ao sangue, elemento fundamental nas
tramas vampirescas, há um grande equívoco quando se afirma que os vampiros de
Crepúsculo são todos politicamente corretos e só se alimentam de animais. É
necessário fazer uma distinção: os Cullen (família a que Edward pertence) seguem essa dieta vegetariana, mas o universo de Crepúsculo não possui apenas os
Cullen. Na verdade, os únicos vampiros que seguem esse estilo de vida, além dos
Cullen, são os Denali, seus “parentes” que vivem no Alasca. Todos os demais
vampiros, desde os vilões até os que conforme as circunstâncias podem ser
considerados “bons” seguem a dieta clássica de sangue humano.
Outro aspecto curioso em Crepúsculo é o fato de
alguns de seus vampiros serem X-Vampires, isto é, possuírem superpoderes que
parecem saídos da turma da Marvel. Mais uma vez o livro explica essas
habilidades: as características humanas são ampliadas quando alguém se torna
vampiro. Assim, Alice, por exemplo, quando humana tinha uma espécie de percepção extra-sensorial, a qual foi aumentada a ponto de se tornar uma vidência parcial. Isto significa,
portanto, que o vampirismo não “dá poderes”, mas amplia as habilidades latentes
no indivíduo.
Ainda há pontos que eu gostaria de destacar, mas além
de tornarem o texto ainda mais longo, não se encaixariam necessariamente nas
características dos vampiros, e sim a temas humanos e realistas, desde a escrita de Stephenie Meyer até a perspectiva da Bella sobre família, sexo e outros conceitos e descobertas que fazem parte da transição da adolescência para a vida adulta. Porém, como eu disse no início, este não é o foco aqui. Para quem tiver interesse nesses outros aspectos indico o livro Crepúsculo e a Filosofia, editado
no Brasil pela Madras Editora. Constitui-se de uma coletânea de artigos
referentes a vários temas e conceitos abordados na série de Meyer.
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