* Ano da publicação original
Vampiros são, certamente, os seres
sobrenaturais mais populares da literatura fantástica; entretanto, na maioria dos
livros protagonizados por eles, as histórias se passam na Europa ou na América
do Norte, que geralmente são as terras natais dos próprios autores. Os
antiquários, de Pablo De Santis também segue essa ideia de ser ambientado na
mesma terra de seu autor, mas é inovador pela peculiaridade de se passar na
América Latina, mais especificamente na Argentina.
Na história, o jovem Santiago Lebrón
começa a trabalhar na seção de esoterismo de um jornal em Buenos Aires, na década
de 1950. A princípio ele se mostra inseguro, pois é cético em relação ao
sobrenatural e está naquele trabalho apenas porque o redator anterior morreu
recentemente. Pouco tempo depois, Santiago toma conhecimento do Ministério do
Oculto, órgão secreto responsável justamente por investigar e apurar a
veracidade de fatos e relatos envolvendo o sobrenatural. Recrutado pelo Ministério
do Oculto, Santiago acompanha algumas reuniões e descobre o interesse de seus
membros – em geral, acadêmicos – pelos antiquários, pessoas aparentemente comuns,
mas que são imunes à passagem do tempo e padecem de uma constante ânsia por
sangue, a qual chamam de sede primordial.
A leitura de Os antiquários faz
lembrar em muitos aspectos A Sombra do
Vento, de Carlos Ruiz Zafón, pois também é uma obra metalinguística que
homenageia o universo da literatura e o amor aos livros. Os antiquários também é narrado em 1ª pessoa por Lebrón, o qual
lembra muito o protagonista de Zafón, Daniel Sempere. Como Sempere, Santiago passa
a trabalhar numa livraria, depois de se unir aos antiquários. Ainda assim, dou predileção
a este livro, porque, mesmo lidando com o sobrenatural, considero-o mais “pé no
chão” e menos mirabolante do que o de Zafón, além de ser, evidentemente, muito mais
breve e completo, sem a necessidade de sequências.
Os antiquários têm esse nome porque
são seres melancólicos que pertencem ao passado, gostam de colecionar e
trabalhar com objetos antigos e detestam mudanças, novidades e tecnologia, preferindo
ficar escondidos e ignorados na sua quietude.
De Santis despojou os vampiros de todo
glamour e de quase todas as características clássicas associadas a essas
criaturas: os antiquários não têm caninos longos, não voam, não se transformam
em morcegos ou névoa, não dormem em caixões, não têm velocidade ou força
sobre-humana e não sabem hipnotizar. Quanto à luz solar, não causa neles o
efeito fatal de “tocha humana”, mas provoca um grande mal-estar quando expostos
diretamente, mistura de dor e náusea; a despeito disso, podem levar uma vida
diurna relativamente normal. O único “superpoder” dos antiquários é o carmen, um truque mental no qual eles
induzem as pessoas a vê-los transfigurados como pessoas já falecidas. Com uma
abordagem similar à adotada em Fome de
viver, de Whitley Strieber (comentado AQUI), o autor reduziu o vampirismo aos seus dois aspectos
fundamentais: a imortalidade e a sede de sangue. Ainda assim, esses fatores são
“contornáveis” e parciais: os antiquários são imortais apenas no sentido de que
não envelhecem e não adoecem, mas são suscetíveis à morte, quando provocada
através de violência; quanto à necessidade de sangue, ela pode ser controlada
com o elixir, substância consumida
por eles, e que tem a propriedade de suprimir temporariamente seus impulsos assassinos.
Contudo, nem sempre o elixir é suficiente ou está disponível, o que faz com que
os antiquários sucumbam à sede primordial. Aliás, em outros dois pontos Os antiquários lembra Fome de viver: em ambos os livros a
palavra “vampiro” não é empregada em nenhum momento; além disso, como não
possuem presas, eles extraem o sangue de forma “artificial” (a imagem da capa é
autoexplicativa).
O livro guarda ainda certa semelhança
com O código Da Vinci: na trama, há
rumores sobre a existência de um livro que guarda um conhecimento muito cobiçado
pelos antiquários – sobretudo por Santiago, que desenvolve uma obsessão por
ele: o Ars Amandi. Entretanto, como o
críptex do best-seller de Dan Brown, esse livro só pode ser acessado pelas
pessoas “certas”, que consigam driblar seu intrincado mecanismo de segurança
sem destruí-lo.
De modo geral, a leitura de Os antiquários é fascinante: com uma
atmosfera noir onde se unem drama e
aventura, Pablo De Santis apresenta vampiros extremamente humanizados, sem o
pedestal de monstros que pertenceu a eles durante séculos de literatura e
folclore.
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