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[LIVRO] OS ANTIQUÁRIOS (Los Anticuarios, 2010*)

terça-feira, 4 de setembro de 2018.

* Ano da publicação original

Vampiros são, certamente, os seres sobrenaturais mais populares da literatura fantástica; entretanto, na maioria dos livros protagonizados por eles, as histórias se passam na Europa ou na América do Norte, que geralmente são as terras natais dos próprios autores. Os antiquários, de Pablo De Santis também segue essa ideia de ser ambientado na mesma terra de seu autor, mas é inovador pela peculiaridade de se passar na América Latina, mais especificamente na Argentina.
Na história, o jovem Santiago Lebrón começa a trabalhar na seção de esoterismo de um jornal em Buenos Aires, na década de 1950. A princípio ele se mostra inseguro, pois é cético em relação ao sobrenatural e está naquele trabalho apenas porque o redator anterior morreu recentemente. Pouco tempo depois, Santiago toma conhecimento do Ministério do Oculto, órgão secreto responsável justamente por investigar e apurar a veracidade de fatos e relatos envolvendo o sobrenatural. Recrutado pelo Ministério do Oculto, Santiago acompanha algumas reuniões e descobre o interesse de seus membros – em geral, acadêmicos – pelos antiquários, pessoas aparentemente comuns, mas que são imunes à passagem do tempo e padecem de uma constante ânsia por sangue, a qual chamam de sede primordial.
A leitura de Os antiquários faz lembrar em muitos aspectos A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón, pois também é uma obra metalinguística que homenageia o universo da literatura e o amor aos livros. Os antiquários também é narrado em 1ª pessoa por Lebrón, o qual lembra muito o protagonista de Zafón, Daniel Sempere. Como Sempere, Santiago passa a trabalhar numa livraria, depois de se unir aos antiquários. Ainda assim, dou predileção a este livro, porque, mesmo lidando com o sobrenatural, considero-o mais “pé no chão” e menos mirabolante do que o de Zafón, além de ser, evidentemente, muito mais breve e completo, sem a necessidade de sequências.
Os antiquários têm esse nome porque são seres melancólicos que pertencem ao passado, gostam de colecionar e trabalhar com objetos antigos e detestam mudanças, novidades e tecnologia, preferindo ficar escondidos e ignorados na sua quietude.
De Santis despojou os vampiros de todo glamour e de quase todas as características clássicas associadas a essas criaturas: os antiquários não têm caninos longos, não voam, não se transformam em morcegos ou névoa, não dormem em caixões, não têm velocidade ou força sobre-humana e não sabem hipnotizar. Quanto à luz solar, não causa neles o efeito fatal de “tocha humana”, mas provoca um grande mal-estar quando expostos diretamente, mistura de dor e náusea; a despeito disso, podem levar uma vida diurna relativamente normal. O único “superpoder” dos antiquários é o carmen, um truque mental no qual eles induzem as pessoas a vê-los transfigurados como pessoas já falecidas. Com uma abordagem similar à adotada em Fome de viver, de Whitley Strieber (comentado AQUI), o autor reduziu o vampirismo aos seus dois aspectos fundamentais: a imortalidade e a sede de sangue. Ainda assim, esses fatores são “contornáveis” e parciais: os antiquários são imortais apenas no sentido de que não envelhecem e não adoecem, mas são suscetíveis à morte, quando provocada através de violência; quanto à necessidade de sangue, ela pode ser controlada com o elixir, substância consumida por eles, e que tem a propriedade de suprimir temporariamente seus impulsos assassinos. Contudo, nem sempre o elixir é suficiente ou está disponível, o que faz com que os antiquários sucumbam à sede primordial. Aliás, em outros dois pontos Os antiquários lembra Fome de viver: em ambos os livros a palavra “vampiro” não é empregada em nenhum momento; além disso, como não possuem presas, eles extraem o sangue de forma “artificial” (a imagem da capa é autoexplicativa).
O livro guarda ainda certa semelhança com O código Da Vinci: na trama, há rumores sobre a existência de um livro que guarda um conhecimento muito cobiçado pelos antiquários – sobretudo por Santiago, que desenvolve uma obsessão por ele: o Ars Amandi. Entretanto, como o críptex do best-seller de Dan Brown, esse livro só pode ser acessado pelas pessoas “certas”, que consigam driblar seu intrincado mecanismo de segurança sem destruí-lo.
De modo geral, a leitura de Os antiquários é fascinante: com uma atmosfera noir onde se unem drama e aventura, Pablo De Santis apresenta vampiros extremamente humanizados, sem o pedestal de monstros que pertenceu a eles durante séculos de literatura e folclore. 





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