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[LIVRO] FOME DE VIVER (The Hunger, 1981)

quarta-feira, 13 de junho de 2018.


Logo depois de assistir ao filme Fome de viver, de Tony Scott, clássico cult dos anos 80, que chama a atenção pelo visual sombrio e pela abordagem neogótica bastante original do vampirismo, tomei conhecimento do romance que inspirou essa produção, um livro bastante raro atualmente (uma vez que teve apenas duas edições, ambas publicadas no Brasil no início da década de 1980). Depois de muito procurar, finalmente encontrei um exemplar e pude mergulhar na atmosfera desse magnífico drama gótico.
A história gira em torno de Miriam Blaylock, uma vampira com muitos séculos de vida. Já aqui começa a originalidade do livro de Strieber: sua vampira não queima ao sol, não possui presas, não dorme em caixões nem se transforma em morcego. Na verdade, a própria palavra “vampiro” não é mencionada em nenhum momento no livro; esta é uma constatação a que se chega devido às características essenciais do vampirismo clássico: a imortalidade e a fome de sangue.
          Miriam é uma criatura extremamente solitária; os seres da sua espécie estão quase extintos e só podem se multiplicar através da reprodução entre indivíduos dessa espécie. Assim sendo, Miriam sobrevive à passagem dos séculos tendo vários amantes humanos com os quais compartilha sangue; eles não se tornam vampiros, mas seres híbridos, que podem viver por séculos, mas com a mesma necessidade de sangue humano que os vampiros. Contudo, esses amantes têm “prazo de validade”: passados alguns séculos, sucumbem ao peso do tempo, envelhecendo em poucos dias o que deviam ter envelhecido em décadas. Transformam-se em cadáveres conscientes (literalmente, mortos-vivos) que Miriam “guarda” em baús por toda a eternidade, à medida que vai substituindo-os por amantes jovens.
          Preocupada com esse ciclo interminável de trocas de amantes devido ao poder implacável do tempo, Miriam toma conhecimento do trabalho da Dra. Sarah Roberts, especialista em envelhecimento. A clínica em que Sarah trabalha está realizando experimentos sobre longevidade e a influência de Miriam altera radicalmente os rumos dessas experiências, criando um vínculo de sangue premeditado entre Miriam e Sarah, com desdobramentos trágicos.
          Fome de viver é um poderoso romance gótico, excepcionalmente bem elaborado. A abordagem vampiresca (dado que sou fã dessa temática) surpreendeu-me bastante. O modo como o vampirismo é retratado é tão realista e natural que se torna crível, não sobrenatural ou mitológico. Ainda que os vampiros tenham ressuscitado como modismo adolescente, o livro de Whitley Strieber apresenta conceitos fascinantes e criativos acerca de tais seres. Não há puritanismo ou crises existenciais sobre o valor das vidas humanas tiradas. Ao invés disso há a frieza e crueldade instintivas da “espécie” e o forte apelo sexual (inclusive com descrições eróticas de muito bom gosto). A Fome de viver fala mais alto do que remorsos ou culpas, limitações ou receios. Enfim, uma obra pulsante, sombria, sensual e alucinadamente sangrenta: um relato impecável do poder e fascínio vampirescos.

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