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[LIVRO] DEIXA ELA ENTRAR (Låt den rätte komma in, 2004*)

quinta-feira, 31 de maio de 2018.

*Ano da publicação original

          Quando li os livros da série Crepúsculo, de Stephenie Meyer, eu interpretei a obra da autora mais como uma metáfora acerca de questões pertinentes à adolescência do que como livros sobre vampiros propriamente. Contudo, não pude deixar de notar que a autora lidou com os principais temas da transição para a vida adulta (amor, casamento, sexo, família, status, amizade, responsabilidade, escolhas) de forma muito fantasiosa, por vezes tendenciosa e – por que não? – anacronicamente ultrarromântica. Faltou, a meu ver, explorar outros temas que estão atrelados aos conflitos da adolescência, temas ásperos e pouco nobres que podem transformar essa fase da vida num ciclo doloroso e traumatizante. Foram exatamente tais temas que eu encontrei abordados com absoluta maestria no romance “Deixa ela entrar”, do sueco John Ajvide Lindqvist.
          São livros como “Deixa ela entrar” que reacendem minha veneração pelo tema vampirismo, e me fazem crer que a temática ainda pode render verdadeiros prodígios literários quando saem de mãos hábeis – principalmente em tempos onde vampiros se tornaram modismo adolescente temporário. A obra de Lindqvist é arrebatadora por acertar em cheio em dois aspectos essenciais: primeiro, pela trama vampiresca, uma das histórias mais originais, realistas e assustadoras que já li, uma verdadeira reinvenção de um gênero já bastante esgotado e carente de ideias novas, mas que não desrespeitem os princípios básicos do tema. Em segundo lugar, mas não menos importante, o livro me surpreendeu pela abordagem crua e de espantosa densidade psicológica de temas pesados e polêmicos, mas, ao mesmo tempo, banalizados atualmente: bullying, pedofilia, drogas, homossexualidade e violência. Nada é forçado ou gratuito no romance, e esses temas são inseridos no contexto com uma naturalidade e realismo que dão à história uma impressionante verossimilhança. De fato, a história se passa num subúrbio de Estocolmo, mas a forma como o autor explora abertamente assuntos controversos como parte do cotidiano dos personagens torna aquela realidade próxima e plausível ao leitor, como algo do dia a dia dele.
          Um dos aspectos mais notáveis do livro é que ele se configura como um poderoso drama psicológico sem, com isso, deixar de ser um romance de terror de primeira categoria. Há diversas subtramas no livro e é curioso que o autor não se limita a construir com esmero apenas os perfis de Oskar e Eli (os protagonistas), mas de praticamente todos os demais personagens também; cada qual tem sua própria vida e seus conflitos internos, os quais conhecemos profundamente por meio da escrita vigorosa de Lindqvist. Sobretudo, merece destaque a forma como o autor revela o passado nebuloso de Eli e sua identidade; é uma das sequências mais impactantes e dolorosas do livro, repleta de abusos e crueldade, de revirar o estômago.
          Em relação ao vampirismo em si, presente na obra, ele resgata alguns pontos fundamentais da mitologia como os fatos de vampiros queimarem ao sol e só poderem entrar em casas se forem convidados. Além disso, alguns temas inquietantes do universo vampiresco são tratados com igual vigor pelo autor: o peso da eternidade, o remorso e o desejo.
          Ainda que quem lê já conheça a cultuada adaptação para o cinema de Tomas Alfredson,  roteirizada pelo próprio autor, isso certamente não impedirá o leitor de ficar positivamente surpreso com a obra escrita, pois o livro é bastante superior à sua versão para o cinema. Isso não significa que o filme seja ruim: muito pelo contrário, com meu peculiar interesse por vampirismo, o filme me conquistou de cara e se tornou um dos meus favoritos. O que quero deixar claro é que a obra escrita possui uma amplitude que não pode ser inteiramente transposta para a linguagem do cinema.


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[LISTA] 10 FILMES DE VAMPIRO PARA MORRER ANTES DE VER

quarta-feira, 30 de maio de 2018.
          Como estou sempre em busca de filmes de vampiros (novos e antigos), é claro que de vez em quando dou de cara com produções tão ruins que me fazem amargar pelas horas desperdiçadas assistindo a elas. Pensando nisso, elaborei esta lista com dez títulos que considero descartáveis; alguns até têm um material de origem interessante, mas que foi terrivelmente desperdiçado na transposição para as telas; outros não têm nem isso: são desprezíveis e quem não assistiu não perdeu nada. Quando eu estava escolhendo as pérolas para a lista, o número ultrapassou a dezena, mas eu preferi arredondar para um número exato, por isso ficaram apenas os 10; se necessário, quando completar vinte filmes ruins poderei editar este post ou farei um segundo round. Evidentemente, esta é uma seleção pessoal, cujo objetivo não é menosprezar ou criticar aqueles que já viram os filmes listados ou pretendem vê-los. A finalidade deste post é puramente informativa.
           Uma observação: apesar de numerados, os filmes estão dispostos de forma avulsa, sem posição classificatória de "melhor" a "pior".



1. O ASSASSINO DAS SOMBRAS (The Black Water Vampire, 2014)
Direção: Evan Tramel
Juntar "A bruxa de Blair" e "O bebê de Rosemary" foi uma péssima ideia.




2. VAMPS: A MORTE NÃO EXISTE PARA O AMOR (Vurdalaki, 2017)
Direção: Sergey Ginzburg
A melhor coisa desse filme é o pôster; tentaram misturar "Crepúsculo" com "Vampiros de John Carpenter". Foi um desastre.




3. CAÇADORES DE VAMPIROS (Blood: The last vampire, 2009)
Direção: Chris Nahon
Baseado num anime, o roteiro fraco, o visual e, principalmente, os (d)efeitos especiais estragaram tudo.




4. SEDUÇÃO DO MAL: OS DIÁRIOS DE NOSFERATU (Embrace of the vampire, 2013)
Direção: Carl Bessai
Remake de um soft porn homônimo dos anos 90 que tenta se passar por thriller erótico. Não funciona. 




5. DRÁCULA 2: A ASCENSÃO (Dracula II: Ascension, 2003)
Direção: Patrick Lussier
Sem pé nem cabeça e, acima de tudo, sem razão para existir.




6. A RAINHA DOS CONDENADOS (Queen of the damned, 2002)
Direção: Michael Rymer
O que mais me entristeceu nesta lista; a pior adaptação que já vi. Anne Rice não merecia isso. O romance dela é o meu livro favorito das Crônicas Vampirescas, mas este filme é uma blasfêmia (independentemente de quem assiste ter lido ou não a obra original).




7. PADRE (Priest, 2011)
Direção: Scott Charles Stewart
É difícil acreditar nesse roteiro e no visual desses vampiros "pré-históricos". Paul Bettany é desperdiçado aqui.




8. A HORA DO ESPANTO 2 (Fright Night 2: New blood, 2013)
Direção: Eduardo Rodriguez
Um remake do remake: desnecessário. Maquiagem e efeitos vergonhosos.




9. ACADEMIA DE VAMPIROS: O BEIJO DAS SOMBRAS (Vampire Academy, 2014)
Direção: Mark Waters
Nem os próprios leitores de Richelle Mead gostaram deste filme: talvez o livro seja melhor que "Crepúsculo", mas esta adaptação fica no mesmo nível.




10. A SAGA MOLUSCO: ANOITECER (Breaking wind, 2012)
Direção: Craig Moss
Uma paródia escatológica, apelativa, nojenta e totalmente sem graça.  A "melhor" coisa deste filme é esse título nacional. Sim, é para chorar lágrimas de sangue.











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[LIVRO] CONTOS CLÁSSICOS DE VAMPIRO (2012*)

terça-feira, 29 de maio de 2018.
*Ano de publicação desta antologia


          Embora eu seja bastante tolerante às inovações que a figura do vampiro sofreu, para se adaptar “aos novos tempos” e acabar se tornando um modismo adolescente, prefiro a abordagem do vampirismo que se tornou clássica, herdada da cultura gótica e, neste sentido, “Contos clássicos de vampiro” é um precioso achado. Contendo narrativas em prosa (e algumas em verso, no “Apêndice”, no final do livro) de épocas e espaços distintos, a obra apresenta textos que abrangem os aspectos fundamentais que ajudaram a moldar a imagem do vampiro convencional, “à moda antiga”, através dos tempos.
          Iniciando com uma acurada e detalhada introdução que aborda não apenas a evolução do mito do vampiro desde seus primórdios, mas também as distinções entre o vampirismo folclórico e o literário, o livro começa acertadamente, inclusive evidenciando a influência do tema em diversas mídias. Esse vasto panorama ajuda na compreensão da “imortalidade” dos vampiros na literatura, mesmo nos tempos atuais.
          Quanto aos contos propriamente, na maioria deles a imagem construída do vampiro está diretamente ligada ao folclore europeu, segundo o qual o vampiro nada mais é do que um cadáver animado – ou morto-vivo – de alguém amaldiçoado (como assassinos, suicidas ou vítimas de morte violenta), uma espécie de zumbi que retorna “do além” para sugar a vida/alma dos vivos, simbolicamente representada pelo sangue, a essência da vida. Contudo, na transposição desse vampirismo folclórico para a literatura fazia-se necessário dar-lhe uma roupagem gótica e, preferencialmente sofisticada, na maior parte imbuída de um caráter erótico. É o que acontece no conto “O vampiro”, de John Polidori, por exemplo. O vampiro em questão, inspirado na pessoa de Lord Byron, é um ser socialmente educado, belo e sedutor, mas oculta um lado selvagem e sanguinário – um dos moldes mais copiados posteriormente na caracterização do vampiro masculino na literatura.
          Entretanto, um fato chamativo é que a maioria dos textos gira em torno do vampirismo feminino, representado de duas formas principais: como os monstros folclóricos (como em “A tumba de Sarah”, onde a vampira possui poderes semelhantes aos do célebre Drácula) e como femme fatale (como em “Porque o sangue é vida”, no qual a vampira atormenta e seduz o protagonista). Ainda em relação a vampirismo feminino, merece destaque o poema “Christabel”, que introduz o erotismo lésbico na literatura vampiresca, mesmo indiretamente, e foi uma base para "Carmilla", de Le Fanu, icônico nessa temática.
          Embora os textos sejam de épocas e culturas diferentes, portanto suscetíveis a todo um contexto histórico, o fio tríplice de morte-sangue-sedução os une e deixa o leitor seduzido e ávido por – como bem define Rita Lee em sua música – brindar à morte e fazer amor.

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[HQ] 30 DIAS DE NOITE (30 Days of Night, 2002 / 2003)



          [AVISO: O 3º E 4º PARÁGRAFOS CONTÊM SPOILERS; POR ESTA RAZÃO, ESTÃO DESTACADOS EM COR DIFERENTE]

          Como amante de tramas vampirescas, estou sempre vasculhando em busca de novas histórias sobre o tema em diferentes mídias. Há algum tempo, justamente procurando por algo original, assisti a um filme que chamou minha atenção pela violência e selvageria com as quais representava esses seres noturnos: “30 dias de noite”. Os créditos do filme informavam que o mesmo era adaptado de uma HQ e senti a necessidade premente de conhecer a obra gráfica. Mesmo não sendo particularmente fã de quadrinhos, abri algumas exceções e li não apenas a graphic novel que originou o filme de David Slade, mas também a sequência, “Dias sombrios” (que também foi adaptado para o cinema).
          “30 dias de noite” é uma cultuada série de quadrinhos de terror originalmente criada por Steve Niles e desenhada por Ben Templesmith. O título é uma referência à primeira história, que se passa na pequena cidade de Barrow, no Alasca onde, a cada inverno, o sol fica ausente por aproximadamente um mês, deixando a região às escuras durante todo esse tempo. A premissa da série é que uma horda de vampiros aproveita a escuridão para atacar a cidade e dizimar a população, favorecidos pela ausência da luz solar – que pode destruí-los – e pelo isolamento local causado pelo inverno rigoroso, que impossibilita os pedidos de socorro dos habitantes.
          Na primeira história, o xerife de Barrow, Eben Olemaun, sacrifica-se para salvar as poucas pessoas que sobreviveram ao massacre implacável dos vampiros. “Dias sombrios” acompanha uma dessas sobreviventes, Stella (esposa de Eben) após os eventos bárbaros ocorridos em Barrow.
          Determinada a vingar a morte – ainda que heroica – do marido, Stella deixa a cidade devastada e parte para Los Angeles, com o propósito de provar publicamente a existência dos vampiros, exterminando-os com a ajuda de um pequeno grupo de colegas e buscando algum apoio das autoridades que, entretanto, não a levam a sério. Além da dificuldade de levar os vampiros à luz (literal e figurativamente), Stella passa a ser perseguida por Lilith, a “mãe” dos sanguessugas e ainda tem de lidar com algumas descobertas que desestabilizam tudo em que ela acredita.

          O que mais me chama a atenção nos quadrinhos de “30 dias de noite” e “Dias sombrios” é o vínculo sólido que liga as histórias: tudo é muito contínuo e progressivo, razão pela qual achei ambas igualmente ótimas, sem oscilações de qualidade no roteiro quanto a “melhor” ou “pior”.
          Naturalmente, o aspecto visual é outro ponto interessantíssimo (como, aliás, deve ser, em se tratando de HQs): como na história anterior, os quadrinhos exploram os tons sombrios, principalmente cinza, das imagens, contrastando de forma impactante com tons mais carregados de preto e vermelho, que evocam a escuridão e o sangue, respectivamente. É interessante notar que são quadrinhos violentos e que esse jogo de tons escuros, longe de eclipsar essa violência, funciona de forma oposta, dando uma perspectiva underground às imagens.
          Ratificando o que afirmei no início, não sou fã de quadrinhos, portanto meu conhecimento sobre o assunto é bastante limitado. Contudo, a parceria Niles/Templesmith na criação do universo sombrio de “30 dias de noite” me surpreendeu por sua originalidade, de modo que, logo que possível, procurarei outros títulos da série, esperando que mantenha o padrão de qualidade, mesmo com a esporádica troca de roteiristas e ilustradores.


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[FILME] FOME DE VIVER (The Hunger, 1983)

          No início da década de 80, um diretor estreante assumiu a responsabilidade de levar às telas uma trama inovadora, na qual não faltavam nem a atmosfera gótica nem o erotismo mórbido e intenso tão bem explorados nas obras de Anne Rice, já em voga naquela época. Em Fome de Viver”(The Hunger),Tony Scott – irmão do cineasta Ridley Scott – apresenta uma das obras mais cultuadas e originais do universo vampiresco, dando uma perspectiva sofisticada à temática que em breve se tornaria “marginalizada” em produções repetitivas ou trash.
          Baseado no best-seller homônimo de Whitley Strieber, Fome de Viver conta a história de Mirian Blaylock (Catherine Deneuve, simplesmente perfeita no papel), uma mulher misteriosa, elegante... e imortal, que sobrevive através dos séculos com o sangue de seus amantes. Juntamente com John (David Bowie), seu atual amante, com quem aparentemente forma um casal de ricos góticos, Mirian seduz pessoas, roubando-lhes a vida e destruindo os vestígios após se alimentar. O diferencial de Fome de Viver começa nas próprias características dos personagens centrais: aqui, os sugadores não queimam ao sol (mas, obviamente, também não brilham diante dele), não temem alho ou crucifixos e nem são demônios irracionais; o ponto principal, porém, diz respeito à curiosa forma como se alimentam. Mirian e John não possuem presas aguçadas como os vampiros tradicionais; para matar as vítimas, utilizam pingentes em forma de ank (um símbolo egípcio) que ocultam uma pequena lâmina, com a qual cortam os pescoços das pessoas. Falando assim, haverá muitos indivíduos que estranharão essa forma de “ser vampiro”, mas é interessante notar que, no decorrer do filme, a palavra “vampiro” não é pronunciada nem uma única vez; de fato, isso é uma conclusão a que o espectador chega ao saber que eles sobrevivem com sangue humano, são imortais, gostam de roupas sóbrias e escuras – sem abrir mão da sofisticação – e preferem andar à noite.
          Conforme a trama avança, John passa a sofrer os efeitos de uma raríssima doença degenerativa que provoca um envelhecimento acelerado; preocupada com ele, Mirian recorre à ajuda da Dra. Sarah Roberts (Susan Sarandon), uma médica especialista no assunto, mas os rumos tomados a partir de então são totalmente inesperados. Nasce entre elas um vínculo homoerótico que culmina em uma das cenas de sexo lésbico mais icônicas do cinema.
          Combinando o complexo drama do relacionamento entre Miriam e Sarah, e unindo a isso a melancolia da imortalidade, da solidão e da morte, o filme de Tony Scott tem razões suficientes para figurar como um dos filmes mais renomados quando se fala em história gótica. Chama a atenção no filme, justamente, a forma como os elementos da cultura gótica se agregam e ajudam a tecer um conjunto de organicidade exemplar: a trilha sonora “dark”, a fotografia escurecida e sombreada, propositalmente com pouca luz, os diálogos e até os gestos e trocas de olhar, tudo possui um sentido, um porquê, embora sob uma camada sombria de contextos. O roteiro de Ivan Davis e Michael Thomas favorece o desenvolvimento da trama com a sutileza necessária para que Catherine Deneuve transmita, gradativamente, a morbidez e a consciência de que a imortalidade é mais uma tortura do que uma dádiva, o que justifica a intensidade com que ela deve aproveitar a vida efêmera dos seus amantes.
          As interpretações de Susan Sarandon e de David Bowie também acrescentam visões particulares dentro do contexto do filme: Sarah, mostrando a médica segura que vê suas crenças se diluírem ao se envolver com Mirian e experimentar algo que não imaginava ser possível; John, evidenciando o sofrimento que acompanha a degradação física e moral que o acompanha a partir do momento em que passa a sofrer sua doença e refletir sobre sua relação com Mirian.
          Finalmente, o clímax do filme é excepcional, unindo o drama da perda a uma cena típica de terror com direito a alguns sustos substanciais e um horror visual marcante. Mais de trinta anos após seu lançamento, Fome de Viver ainda se mantém em status de filme Cult e, mesmo que não siga a cartilha tradicional de vampiros monstros e nem tenha sido mais um sucesso meramente comercial, preserva a essência obscura e tétrica da "psicologia" vampiresca.

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[FILME] NOSFERATU (1922)

segunda-feira, 28 de maio de 2018.

          Embora Bram Stoker não tenha sido o precursor do vampirismo na literatura, é inegável que foi o seu famoso romance Drácula que universalizou, por assim dizer, a figura popular do vampiro, que seria mais tarde abordada incansavelmente, não apenas no papel, mas nas telas também. Coube ao cineasta alemão F. W. Murnau a primeira adaptação da obra de Stoker no longínquo ano de 1922; adaptação essa que é considerada icônica e quase por unanimidade a melhor de todos os tempos, não necessariamente no quesito fidelidade (até porque os direitos autorais não cedidos impediram um aproveitamento maior da história), mas em relação apropria abordagem do vampirismo no cinema.
          Utilizando-se com inteligência e perícia dos poucos recursos disponíveis para seu tempo, Murnau conseguiu a façanha ímpar de criar todo um universo sombrio que equilibra tons de sombra e luz bem ao estilo expressionista, em voga na época. De fato, o clima gótico da obra de Stoker é referenciado constantemente nesse jogo de claro/escuro que alterna momentos de tensão e melancolia com maestria, se levarmos em conta o fato de que esta é ainda uma produção em preto e branco, bastante “tosca” para os padrões cinematográficos evoluídos de hoje em dia. Ainda assim, tamanho é o poder de “Nosferatu” que é impossível ficar indiferente às imagens e cenas construídas na justaposição da luz, como, por exemplo, no momento em que  a sombra ameaçadora do vampiro, esgueirando-se pela parede, aproxima-se da mulher cujo sangue ele precisa provar.
          A representação do vampiro encarnado por Max Schrek é, com certeza, uma das mais célebres e assustadoras já vistas: careca, curvado, com dentes pontiagudos e projetados para fora da boca, unhas compridas e sobrancelhas espessas; visualmente repulsivo, Schrek adiciona à sua imagem uma interpretação inspirada, onde suas expressões faciais, oscilando entre a malignidade a tristeza, conferem ao personagem a essência do Drácula do livro. Essas variações na expressividade dos personagens são de fundamental importância no desenrolar do filme, uma vez que não há diálogos – é um filme mudo. Assim como nas obras de Chaplin, é a linguagem gestual/facial que determina a intensidade de sentimentos, sensações e anseios dos personagens, aqui convenientemente captados e transmitidos por Murnau.
          Por fim, há que se destacar a excelente e tétrica trilha sonora de Hans Erdmann, que preenche a projeção com seus tons sombrios, sempre deixando subentendido que algo está prestes a acontecer, mantendo o espectador em crescente – mas, receosa – tensão. Com a música, completa-se a atmosfera espectral do filme, justificando-se com perfeição o subtítulo de “Eyne Symphonie des Grauens”: de fato, é uma sinfonia de horror magistral.



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[LIVRO] CARMILLA (1872)


          Não se ignora que a figura moderna do vampiro foi claramente influenciada pelo "imortal" Drácula de Bram Stoker, representante exponencial das chamadas narrativas góticas europeias, que tiveram destaque no século XIX. Mais tarde, já na segunda metade do século XX, foi a vez de Anne Rice reinventar o gênero (mantendo, entretanto, suas características básicas) ao lançar suas Crônicas Vampirescas. Contudo, antes mesmo de Bram Stoker houve uma obra relativamente modesta, em termos de extensão, mas de uma riqueza e beleza narrativas extraordinariamente sólidas: "Carmilla", de J. Sheridan Le Fanu.
          A obra lançou as bases literárias nas quais a maioria das produções vampirescas (ao menos aquelas dignas de nota) se inspiraria, inclusive o próprio Drácula. Antes de "Carmilla" o vampiro era um personagem pouco conhecido na literatura, mas bastante presente na mitologia e no folclore das regiões remotas da Europa. Foi justamente nessa mitologia que o autor se inspirou para esboçar sua personagem, acrescendo elementos que se tornariam icônicos na literatura vampírica, como o erotismo, a força sexual e a beleza (elementos tais que são amplamente abordados nas obras de Anne Rice, por exemplo).
          Narrado em primeira pessoa por uma moça que conhece Carmilla em estranhas circunstâncias e passa alguns dias em sua companhia, a narrativa de Le Fanu possui os ingredientes clássicos de uma história gótica: há o castelo medieval situado em uma região remota numa floresta, há os pesadelos e a misteriosa doença que passam a assolar Laura (a narradora) após conhecer Carmilla, há o personagem espectral que some no ar e se transforma em um "animal grande e negro", há as clássicas mordidas que acontecem em meio a delírios que trazem dúvida sobre o que é realidade e o que é sonho; há, por fim, de modo sutil, o discurso de bem e mal, com o vampiro simbolizando as forças das trevas que precisam ser destruídas.
          A narrativa é simples e direta, de modo que o texto parece uma novela curta dividida em pequenos capítulos. Não há floreios linguísticos nem adjetivação abundante ou qualquer outro recurso que eventualmente poderia ser utilizado para esticar a história e enrolar o leitor. Evitar excessos parece ter sido a intenção fundamental do autor ao escrever "Carmilla". E faz isso com louvor.

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[QUADRINHOS] INTERVIEW WITH THE VAMPIRE (1991 - 1994)

         Publicada pela Innovation Comics, Interview with the vampire foi a primeira transposição do romance homônimo de Anne Rice para out...